domingo, 26 de fevereiro de 2012

Cozinha de marinheiro ou como dominar um fogão no balanço do mar





A viagem de barco é quase sempre difícil, desafiadora, mas muito prazerosa. Pareceu paradoxal? E é mesmo.


Estar em pleno oceano, livre, entre o céu e o mar, é experiência que não se esquece! Nossa consciência fica mais líquida, o inconsciente aflorado. Perigoso, maravilhoso. 


Mesmo com uma mente em transformação, o sol por testemunha, ou a lua, de barriga roncando não se pode ficar, e cabe - entre uma manobra e outra - preparar um rango (desculpas pela informalidade datada, mas a ideia de navegar me remete para um tempo de aventuras) que restaure nossas forças. Ao fogão, marinheiro!


A mais bem equipada das cozinhas de barco é, ainda assim, precária. O balanço do mar ensina mais do que a nadar, posso garantir. Cozinhar, quer dizer, todo o processo de lavar, cortar, ferver...em constante movimento é tarefa que exige praticidade, concentração, e bom senso.


Pra os de primeira viagem, meu mantra: panela de marinheiro é wok. Isso não se discute. O wok é uma espécie de lava-passa-cozinha que vai ao fogo e resolve tudo de uma tacada só. Ter um wok em terra firme já é necessário; no mar, imperioso. Além de garantir comida saudável e fresca, o que vale ouro, com o wok em punho, as pernas firmes, os joelhos ligeiramente flexionados, podemos fazer um fogareiro "roscoff" parecer um Viking de 9 bocas. É entrar no balanço, pedir permissão à rainha Iemanjá, e cantar o ponto.


Para os carnívoros, a milhas de distância de qualquer açougue, sugiro um salteado de shiitake, o "bife" dos vegetarianos. Um pouco de azeite no wok, os cogumelos frescos ou reidratados cortados em lâminas, um dente de alho amassado para perfumar sem exageros, salsinha ou manjericão, sal e pimenta-do-reino. 







Para os que amam peixe, pescam e cozinham em pleno mar, a opção é um couscous com legumes e peixe grelhado. Os filés são temperados com sal e pimenta, e vão ao fogo com um fio de azeite. Os legumes picadinhos são assados com azeite, sal e ervas (na falta de um forno, no wok também fica ótimo). Os grãos do couscous são escaldados com água misturada a uma colher de sopa de cúrcuma. Ao final, junto o couscous aos legumes, sirvo em tigelas com os filés de peixe por cima.  E se a bordo tiver um galhinho de coentro, cebolinha ou salsa, vale esse toque de frescor. No mar, tudo que é da terra faz falta.







terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Qual é a sua fantasia?





Para quem você gostaria - estou falando de desejo - de preparar um prato? Metafórica ou metonimicamente, pela boca de quem você gostaria de ser engolido? E na real, quem vem para jantar? Amigos queridos, família, um mix, ou quem faz o seu coração bater mais forte, para um tête-à-tête? Com qualquer convidado, a ideia do bom anfitrião é proporcionar preciosos momentos de prazer, e o caminho é soltar a fantasia...ainda que só nas panelas.


Hoje, mesmo em pleno carnaval, pra quem não está inteiramente abduzido pelos festejos ou arrastado por um bloco, pode ser a hora de abordar as caçarolas com animação e fazer do ato de cozinhar uma folia total. E sem desgaste. As receitas são descomplicadas e muito eficazes. 




Para a conquista garantida dos palatos, revelo uns pratos que são fetiche puro e de uma simplicidade só: salada verde com vinagrete de laranja, risoto de ervilhas e hortelã, cubos de abacaxi com especiarias e sorvete de manga. A digestão de um jantar assim, de verão, é fácil, leva o humor lá pra cima, e ainda deixa a alma cantando.


Começo pela sobremesa. Corto o abacaxi em cubos, recuperando o suco que vai se soltando. Espremo um limão e uma laranja, e reservo. Polvilho o fundo de uma panela com açúcar, levo ao fogo médio e deixo caramelizar. Fora do fogo, e com todo o cuidado para que o caramelo não se projete perigosamente, acrescento o suco dos cítricos. Descasco e corto em rodelas fininhas um pedaço pequeno de gengibre, raspo uma fava de baunilha aberta longitudinalmente para o máximo aproveitamento de seus grãos, e junto ao caramelo, que volta ao fogo brando por mais uns 10 minutos. Retiro do fogo e junto os pedaços de abacaxi ao caramelo de especiarias. Deixo macerar por 2 horas, pelo menos, tampado. Na hora de servir, descarto as especiarias, arrumo uns pedacinhos de abacaxi nas tigelinhas individuais, rego com o caramelo e, por cima, ponho uma bola de sorvete de manga. Mais do que tudo, um tributo ao nosso país tropical, abençoado...


A salada é um mix de folhas orgânicas, azeitonas pretas, um talo de aipo picado e lascas de amêndoas. O vinagrete: suco de 2 laranjas, 3 colheres de sopa de balsâmico, 1/2 xícara de azeite, 1 colher de chá de mostarda dijon, 1/2 colher de chá de gengibre ralado fino, 1/2 colher de chá de açúcar mascavo, sal e pimenta. Arrumo a salada de acordo com o humor do dia, e o resultado é sempre bom, fresco, revigorante. Chego a pensar, por toda a verdura, no poeta Cesário Verde. Livres associações, liberdades. Assim, no plural, que é pra ampliar o espectro.


Para o risoto não tem muito como escapar. Cole o umbigo no fogão, refogue no melhor azeite uma cebola pequena, picadinha, junte os grãos do arroz (se puder ser um arborio...), regue com um 1/2 copo de vinho branco seco, deixe evaporar, e agora junte concha após concha o caldo de legumes ou água mesmo. Perto do final, lembre-se que o processo leva de 15 a 18 minutos, acrescente 1 xícara de ervilhas frescas, folhinhas de hortelã, um pedaço de manteiga fria, lascas de parmesão. Verifique o sal e dê umas rodadinhas no moinho de pimenta.


Arme o cenário que puder, mas capriche. Não aceite nada menos que o melhor de si. A fantasia é sua. Minha função vem até aqui...afinal, estou ensinando a pescar, não posso dar o peixe! 


PS: o menu está aparecendo agora, numa terça-feira gorda, mas cai como uma luva para a quarta-feira de cinzas. E, pensando bem, é jantar diplomático...não tem saia justa. Kosher, vegetariano, católico, as sete linhas, todos são benvindos. Bom apetite!   

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Saladas líquidas






Está aberta a temporada de caça ao calor. Para os que sofrem no verão porque têm temperaturas corporais elevadas, o cardápio está definido: sucos de vegetais e de frutas, lassis e...saladas líquidas!


Sei que os novos tempos exigem passos comedidos, consumo consciente, escolhas corretas, mas nenhum conselheiro verdadeiramente experiente e antenado com todos os lados da realidade posta na mesa vai discordar: uma centrífuga é absolutamente necessária. 


Não, o liquidificador não a substitui, só quebra o galho, o que é bem diferente.


Então, partiu para uma centrífuga de qualquer marca, cor, tamanho? Ótimo, o resultado compensa. 


Para fazer uma salada de beterrabas e cenouras, extraio na centrífuga o suco de 2 ou 3 cenouras grandes ( daquelas orgânicas, miudinhas, umas 6), uma beterraba e 2 talos de aipo. Junto 1 xícara de iogurte natural, o suco de 2 limões, 1 dentinho de alho picado bem fininho, sal e pimenta-do-reino moída na hora, umas folhinhas de orégano fresco. Misturo bem, desfrutando daquela beleza: linda cor, frescor, tonicidade.


E que tal uma salada de pepino, funcho e maçã? Passo na centrífuga 3 pepinos, 1/2 bulbo de funcho, 2 maçãs, raspa de limão ou gengibre, sal e pimenta, e acrescento umas sementinhas de coentro tostadas como toque final. Delícia, delícia... 


Para os que amam sopas quentes, como eu, a qualquer tempo, as saladas líquidas são um complemento sensacional, mas para os que queimam por combustão espontânea, recomendo beber essas saladas como prato principal. Para acompanhar, umas torradinhas de pão árabe e o caviar de berinjelas (do post "O bom humor está no prato", de 12/02/12). Alguém precisa comer mais do que isso, com esse calor?

Depois, nostalgicamente, é só soltar o velho grito de guerra, mesmo vivendo na sombra e com água fresca:


Alah-lá-ô-ô ô ô ô ô ô, mas que calor ô ô ô, ô ôô...

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O bom humor está no prato!



Neurocientistas de todo o mundo não estão brincando em serviço. Já provaram que alguns alimentos agem sobre a produção de neurotransmissores e hormônios relacionados com nosso humor e nossa  energia. 


Simples assim. Comendo doses suficientes de salmão, sardinha, anchova, queijos, frutas cítricas, romã, pimenta, carnes vermelhas, arroz integral, tâmaras, bananas, berinjelas, abacate, ovos... Tem pra todo mundo, e o bom humor está no papo!


Caviar de berinjelas, que está na lista de happy food, é uma entrada simpática, mas também pode servir de base pra um sanduíche.


Vamos assar 2 berinjelas grandes, por uma hora, em forno quente, depois de furar suas cascas com o garfo. Deixamos esfriar para retirar toda a polpa e recuperar umas duas colheres de sopa da casca grelhada. 


Num liquidificador, juntamos tudo, a berinjela, 2 colheres de sopa de tahine, a pasta de gergelim, 1 dente de alho, sempre sem o germe, sal, pimenta, umas ervas frescas picadas, salsa, coentro, hortelã. Ao final, juntamos 2 colheres de sopa de queijo fresco. Se possível, de ovelha.


E que ninguém duvide: a alimentação consciente opera milagres. Experimente com o mal-humorado que habita em você. E depois espalhe, com alegria, o resultado da experiência.



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O que que o shiitake tem?



O shiitake, fora o sotaque japonês espalhado pelo globo inteiro, tem o quê? Muitos sais minerais, vitamina B, e um sabor que é umami! 


Talvez fosse oportuno dizer um sincero arigatô para o  descobridor do quinto sabor, o umami, presente nos caldos de carne, no molho de soja, nos queijos bem maturados, nos tomates e nos cogumelos. Dizem os decodificadores de sensações que é um gosto redondo, que enche a boca. Aceitemos essa premissa. 


Numa sopa de inhame com lâminas de cogumelo shiitake, à competência purificadora do tubérculo somamos a força de um tanque de guerra que é o shiitake. Contra os tropeços de um sistema imunológico que se sente ameaçado ou que reage mal e porcamente, por pura fragilidade constitutiva ou emocional, nada mais eficiente. Acredite, espere, e confie. Estou falando sério.


Mas, entretanto, como diriam os portugueses (ou como nós, enquanto isso), vamos ao fogão. Refogo num pouco de azeite uma cebola, junto o inhame descascado (uns cinco ou seis). Deixo alourar, e junto água ou caldo de legumes aos pouquinhos, até que o inhame esteja cozido. À parte, limpo os cogumelos com um pano, sem lavar para que não se encham d'água, corto-os em lâminas, levo-os ao fogo num wok pincelado de um bom azeite, junto 1/2 dentinho de alho, sem os germes inimigos da boa digestão, salpico uma salsinha. Reservo.


No auge da empolgação, ralo um inhame, na mandoline ou no velho e bom ralador de legumes que todo mundo tem, como se fosse batata-palha. Frito também no azeite, deixo escorrer o excesso num papel-toalha, como de praxe. E, à moda dos chefs da moda de todo o mundo, ponho as lâminas de shiitake no fundo do prato, que vai pra mesa só assim. A sopa propriamente dita chega num jarro e é despejada sob o olhar atento-atônito dos comensais. Por cima, à guisa de croûtons, vou salpicando a palha de inhame. Fica ótimo, é saudável e sacia!


Por falar em boa sopa, valendo pra quem - como Molière - vive de boa sopa e não de bela prosa, a seguir os dois menus (ver post "Sopas que curam")que a nossa Biblioteca Culinária passa a oferecer. Cada 'set' de sete sopas, R$135,00.

menu I:  détox (sopa de ervas); abóbora e maçã ao curry; velouté de batata e aipo; feijão-azuki; creme verde; inhame com shiitake; ervilhas com tomate e hortelã. 

menu II: détox (sopa de ervas); batata-doce com água de coco; abobrinha ao pesto; feijão-azuki; cenoura com gengibre; lentilhas; ervilhas com especiarias.


Das 7 sopas, a primeira vem para ser consumida imediatamente, as outras 6, congeladas. As porções são individuais. Entregas a partir de segunda-feira, 06/02.


Pedidos: senraygarcia@gmail.com