segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Pra não dizer que eu não falei das flores

Na Riviera Francesa, em Menton, fronteira da França com a Itália, num restaurante chamado Mirazur, reina um chef argentino que enche de flores e ervas os seus pratos. 




Posso dizer que até com certo exagero de capuchinhas e outras flores! Mas, justiça seja feita: Mauro Colagreco faz uma comida mediterrânea bem enfeitada, mas muito boa, sem dúvida.  É que talvez as flores que me falem mais sejam as de abobrinha, as fiori di zucchine, e as rosas, claro, com suas águas perfumadas.


As flores de abobrinha podem ser recheadas com creme de ricota e folhinhas de hortelã picadas, para uma surpreendentemente honesta e fresca entradinha. 


Cumpro um passo-a-passo que é de uma simplicidade absoluta: retiro o estame de dentro, passo as flores por um fio de água corrente, abro as pétalas com máxima delicadeza e introduzo o creme (recomendo o de ricota da Tirolez, sem acidez, fresco e leve).  Ficam deliciosas e lindas! Aqui no Rio, tenho recebido ótimas flores de abobrinha do Empório do Brejal (tel.24 2259-2692).


Os italianos, legítimos devoradores de flores de abobrinha, partem logo para uma fritura, envolvendo as flores numa massa fina: juntam 100g de farinha de trigo, 1 ovo, 1/2 copo de vinho branco seco, sal. E fritam! O recheio pode ser de mozzarella de búfala e filé de anchova, mas pode também ser só a flor, empanada, com sal e pimenta... e basta! 




As flores de abobrinha podem também coroar um risoto de ervilhas frescas, sendo acrescentadas ao final. Sobre elas, um fio do melhor azeite, umas lascas de parmesão...e está feito.

E comendo flores, pode até ser que as palavras nos saiam da boca com mais frescor, pureza, verdade sem ofensa. Permita-se a experiência.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Uma coisa puxa outra: chegamos à daube provençal!





A daube é feita de carne, ave ou caça, l e n t a m e n t e  cozida, no forno ou no fogão, com um bouquet garni, alguns legumes e vinho tinto. Só para facilitar a identificação, é uma prima do boeuf bourguignon. Se é que a aproximação não confunde...

A daube provençal deve ser marinada no vinho tinto e temperos antes de ser levada ao fogo. 

Pode ser que eu me engane, mas acho que o chef Yves Camdeborde, do Le Comptoir, em Paris, se inspirou no mole mexicano (ver post do dia 15 de outubro, "É mole!"). Sua receita de daube leva, como toque final, um tabletinho de chocolate amargo!

Compro 1,5kg a 2kg de capa de filé. Corto em cubos. Numa tigela grande, junto uma cebola e uma cenoura picadas, um pedaço pequeno de casca de laranja, duas folhas de louro, dois dentes de alho, um punhado de tomilho fresco, pimenta-do-reino moída na hora. Despejo uma garrafa de vinho tinto por cima, e deixo macerar na geladeira por 12 horas.

No dia seguinte, escorro a carne e vou selando os pedaços, quase um a um, em duas ou três colheres de azeite. Reservo. Fervo a marinada e todos os ingredientes na panela usada para selar a carne durante 5 minutos. Junto à carne, acrescento um pouquinho de sal (ainda tem o sal das azeitonas), umas duas colheres de molho de tomate. E levamos ao fogo.

Dica: O tal cozimento l e n t o pode receber uma forcinha de uma panela de pressão... 1h30, fogo bem baixo.

Deixo esfriar, acrescento as azeitonas pretas sem caroço (300g) e duas colheres de sopa de azeite. 

A daube pode ser servida com batatas ou com massa curta, tipo penne. Eu prefiro com batatas, cozidas ou sautées.

a marinada


sábado, 15 de outubro de 2011

É mole!


A passional Frida Kahlo nos dá a receita de felicidade: e é mole!!! Mas, atenção, a receita é mexicana, de Oaxaca, o que muda tudo. Prepare-se para gestos arrebatados, sensação de fogo correndo em suas veias, explosão de prazer. Tudo isso num prato só.


A cozinha mexicana encontra, mesmo numa receita simplificada como a que vem a seguir, toda a expressão de sua força, de suas cores e calores...Red hot chili peppers, sabe como é?






Arregace as mangas da camisa ou ponha aquele vestido vintage, original ou réplica, todo bordado de flores, mexicano até o último fio de cabelo, e venha comigo, ao ataque: em primeiro lugar, as pimentas chili. Se possível, de 3 tipos. Improvise. Estamos numa jam session culinária. Faremos o melhor, com o que temos.  


Numa frigideira, ponho um pedaço de toucinho cortado em pedacinhos para dourar. Junto as pimentas para que dourem também, e tomo cuidado para que não queimem. Transfiro-as para uma panela grande, e cubro com água quente. Deixo cozinhar até que estejam macias, sem deixar ferver. Retiro as sementes. Reservo.


Num tabuleiro, espalho uma cebola grande, picada, e 3 dentes de alho, sem os germes. Um fio de azeite...e forno. Asso por 25 minutos.


Junto pimentas, alho e cebola, e bato no liquidificador até que formem uma pasta. Acrescento uma xícara de caldo de galinha, uns 5 tomates, sem pele e sem sementes, 1 colher de sopa de vinagre de vinho branco, 2 colheres de sopa de melado, 1/2 colher de chá de canela, 1/2 de coentro moído, 1/2 de cravo-da-índia, também moído, e bato até formar uma mistura homogênea. Numa panela, junto a pasta de temperos com 2 colheres de sopa de creme de leite fresco, 1 barra pequena de chocolate meio-amargo, picado(agora vamos até o fim, não recue!), e espero derreter, sem deixar ferver. Deixo cozinhar uns minutinhos, fogo baixo, para que os aromas formem um bouquet.






Acrescento a galinha cortada em pedaços, e que foi cozida num caldo abundante feito com cenouras, cebolas e ervas aromáticas. Uns 20-25 minutos são suficientes. Sirvo com arroz branco e rodelas de banana-da-terra frita. Mexicaníssimo, e sem drama!


Nota: Cada um faz o seu mole. Há inúmeras variações, assim como as misturas de ervas e especiarias indianas. Acrescente ou retire, a seu gosto, os temperos, mas tente não perder, por pura idiossincrasia, o ritmo, o vigor, a cor local.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Banana é vitamina. Bolo de banana é um prato cheio!









Quando falamos em banana, falamos da nossa terra, falamos da mãe, da mãe da mãe...Tem coisa mais regressiva do que bolo de banana?


Saibam que nem só de cuca de banana vive o meu universo. O bolo de banana de hoje tem alguns ingredientes que trazem um dado novo para o bolo de banana aparecer reinventado, como manda o novíssimo manual de sobrevivência, com um não-sei-quê energético, e ainda com certa leveza. Vale a experiência, especialmente para quem é chegado a ter cãibras, músculos fracos, pouca vitalidade.






Pego 3 bananas maduras. Nanica ou prata. Amasso-as com o garfo, e reservo. Levo ao forno, para um susto rápido, um bom punhado de noz-pecã. Pico-as grosseiramente. Reduzo um pedaço de 50g de manteiga à consistência de pomada (assim: fechando o pedaço na mão, a manteiga-pomada sai por entre os dedos), junto uma pitada de sal, 200g de açúcar de confeiteiro, e misturo bem. Acrescento 2 ovos inteiros. Misturo, progressivamente, a 80g de farinha peneirada com 1 colher de chá de fermento em pó. Incorporo as bananas amassadas, as nozes picadas, um punhado de frutas secas picadas (vale passa, a própria banana-passa...), raspas de um limão e uma pitada de noz-moscada. Asso em duas formas de bolo inglês, por 1 hora. Forno a 180º. Para finalizar, enfeito com pedaços de noz-pecã e uma chuva de açúcar.
  



domingo, 9 de outubro de 2011

Vampiros, tremei, todas levam alho!






Chega de contemporizações: vamos enfrentar os vampiros que nos sugam o sangue, literal ou metaforicamente, com dentes de alho!


Tenho uma réstia de alho - aquela trança de palha com cabeças de alho que se prendem como broches,  espécies de aplique - pendurada na cozinha, que enche todo o  ambiente do melhor perfume provençal, estejamos em Avignon, Aix, Pirassununga ou Copacabana.


Para reforçar o clima, preparo uma rouille, nada mais do que um aïoli condimentado de pimenta vermelha que acompanha a bouillabaisse. 


Uma palavra sobre a bouillabaisse: tecnicamente, é uma sopa com vários tipos de peixe e algum crustáceo. Muitos a definiriam como um cozido provençal de peixe e frutos do mar. Paul Bocuse acha que podemos prescindir de mexilhões e outros moluscos porque seu forte sabor abafa um pouco a força aromática do conjunto. Palavra de mestre não se discute...


Há mais versões "autênticas" de bouillabaisse do que estrelas no mar, e eu não vou pretender colocar um ponto final numa polêmica tão saborosa. Invenção característica de Marselha, uma cidade tão múltipla quanto surpreendente, a bouillabaisse é servida com os peixes numa travessa, o caldo numa sopeira, no fundo da qual repousam fatias de pão com alho e sua rouille. Há quem diga que bouillabaisse sem rouille é como Marselha sem sol, uma espécie de goiabada sem queijo, abraço sem beijo. Não há quem possa!





Ao trabalho: para uma rouille marselhesa, 2 pimentas chili, uns 4 dentes de alho, sem os germes, 1 xícara de miolo de pão cortado em cubinhos, 1 gema, 1 colher de sopa de sal grosso, 1 xícara de azeite. A versão de Nice leva 2 colheres de chá de pimenta-de-caiena, uma pitada de filamentos de açafrão, 3 dentes de alho, 2 gemas, 1 xícara de azeite. No alguidar, o mesmo procedimento. Amasse com o pilão os dentes de alho com a pimenta e o sal, junte a(s) gema(s), o azeite em fio...e, no caso da receita marselhesa, o pão amolecido com o caldo de peixe ou água quente.


Não temos os peixes mediterrâneos, mas se juntarmos algumas espécies de peixes, em pedaços, que tenham características bem definidas, regados com um bom caldo de peixe, depois um copo de vinho branco seco, cozinharmos em fogo alto, com fines herbes, teremos uma sopa de peixe pra chamar de "nossa bouillabaisse". Na adaptação que fiz para o Grande Dicionário de Culinária, de Alexandre Dumas, sugeri badejo, vermelho-cioba, congro, namorado...


PS: as receitas com alho continuam...fique de olho. Ou com as barbas de molho!



quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Na prática, a madeleine é outra...



Proust imortalizou a madeleine. O rei Estanislau Lekzinski da Polônia imortalizou a jovem camponesa de Commercy, Madeleine, autora dos bolinhos que o encantaram em sua passagem pela França. Acabou levando-os para Versalhes, onde vivia sua filha Marie, casada com Louis XV e, mais tarde, para Paris.  A madeleine, o bolinho, caiu no gosto do rei e do reino...é essa a história.

Melhor, então, dar a palavra a Proust, que tão bem descreveu a delícia: "esse marisco da pâtisserie, tão untuosamente sensual sob suas pregas severas e devotas"... 

São mesmo sensuais esses bolinhos que derretem na boca, molhados ou não no chá. Sejam classicamente perfumados com raspas de limão ou laranja, com ares orientais ao serem aspergidos de água de flor de laranjeira, seduzidos pela doçura do mel ou pela pungência do cacau.


Num precioso caderno de receitas escritas por Celisa Décourt, uma brasileira casada com um francês que veio para os trópicos fundar uma família, encontrei até boas "magdalenas parisienses".  A verdade é que já testei inúmeras versões de madeleines que renderiam páginas e páginas. E tenho as minhas preferidas... 

Hoje, escolhi uma delas, a do chef André Lerch, uma clássica: 105g de farinha, 1/2 colher de chá de fermento em pó; 2 ovos, em temperatura ambiente; 100g de açúcar; raspas de um limão; 2 colheres de essência de baunilha; 70g de manteiga sem sal, derretida. Bata os ovos com o açúcar, por uns 4 minutos. Acrescente as raspas de limão e a baunilha. Junte os ingredientes secos, seguidos da manteiga derretida. Cubra com filme plástico e deixe descansar na geladeira por - pelo menos - 3 horas. Asse por 13 minutos em forminhas untadas e polvilhadas de farinha. Desenforme e sirva-as ainda mornas ou em temperatura ambiente.

Declaro, ainda, que Proust, em quadrinhos, na adorável adaptação de Stéphane Heuet, tradução de André Telles, é a melhor introdução à leitura do romance Em busca do tempo perdido. Para adolescentes e adultos, pode ser o primeiro contato com  os longos parágrafos proustianos e com o poder evocador de lembranças da madeleine. O certo é que a primeira madeleine ninguém esquece.

PS: reproduzi a receita, mas vale uma ressalva: não gosto de essência de baunilha. Quando quero perfumar algum creme ou massa com baunilha, uso as favas. Do Taiti ou de Madagascar. São caras, mas vale a diferença. E a gente sempre pode fazer o açúcar de baunilha - é só guardar uma fava dentro do pote de açúcar!